Aprenda Com Uma Avó

Olabi Makerspace
6 min readDec 23, 2020

“Peraí que eu vou instalar o computador na cozinha”, foi o que uma senhora de 60 e poucos anos me disse entre fios de computador e aparelhos eletrônicos, enquanto fazia uma chamada em vídeo comigo para se preparar para a sua primeira aula online. Aquilo dali me surpreendeu — aliás, o contato com cada uma das dezesseis senhoras e senhores que ministraram oficinas online pelo “Aprenda com Uma Avó” era sempre um aprendizado, algo que acrescentava no meu dia. Este contato direto com as senhoras e senhores do projeto — todos com personalidades e histórias de vida muito distintas, mas com a mesma vontade de ensinar e aprender — me fez repensar o que significa envelhecer e entender que o processo de inclusão da terceira idade não é algo benéfico apenas para eles, mas sim para todos. Quando incluímos esta parcela da população, estamos mantendo viva uma parte da nossa história, celebrando nossas ancestralidades, garantindo grandes aprendizados e, acima de tudo, construindo nosso futuro e nossa relação com o envelhecimento — afinal, o jovem de hoje é o idoso de amanhã.

Projeto Aprenda com Uma Avó (online)

Em países como os asiáticos, envelhecer é sinônimo de experiência e sabedoria, e as pessoas mais velhas são tratadas com atenção e respeito. Já em alguns outros países, como no Brasil, o envelhecimento é sinônimo de decadência e incapacidade, e as pessoas com mais idade sofrem preconceitos e são desrespeitadas cotidianamente. Estes preconceitos estão imersos na nossa rotina e são facilmente vistos em propagandas e discursos que promovem o ageismo, idadismo e velhofobia (algumas palavras utilizadas como referência à discriminação de pessoas devido a sua idade) — é o caso em inúmeras propagandas de cremes antirrugas que, simbolicamente, estigmatizam o envelhecimento.

Existem também inúmeras pesquisas públicas que apontam essa relação com o envelhecimento, como um levantamento feito pelo Datafolha que mostrou que nove em cada dez idosos entrevistados acreditavam já ter passado por algum preconceito referente à idade e o relatório da Organização Mundial da Saúde, OMS, publicado na revista Lancet Global Health, alertando que um a cada seis idosos são vítimas de algum tipo de abuso doméstico.

Com a instalação da pandemia do Covid-19 e os discursos a respeito de idosos como grupo de risco, evidenciou-se ainda mais o preconceito perante o envelhecimento. De acordo com o médico gerontólogo e ex-diretor da OMS Alexandre Kalache, os preconceitos relacionados à idade têm aumentado com a pandemia e, com isso, a voz das pessoas mais velhas — principal grupo de risco para a doença — tem sido silenciada. Esta visão ainda é reforçada pelos discursos feitos por políticos, empresários e até mesmo o Presidente da República, nos quais os mais velhos são considerados inúteis, desnecessários e invisíveis.

Não é à toa que, no final deste ano, 42 organizações de 29 países se juntaram para fazer a campanha #OldLivesMatters, que tinha como objetivo sensibilizar os cidadãos, os meios de comunicação e as instituições em busca de um respeito maior para com os mais velhos. A campanha, através de vídeos, buscou narrar situações cotidianas, mostrando como a discriminação com os idosos é difundida e como muitas pessoas não têm consciência dos estereótipos que eles próprios têm sobre os idosos (e que os próprios idosos têm sobre si mesmos). Em uma declaração feita para a imprensa internacional, Oliver Guerien, presidente da Societé Française de Gériatrie et Gérontologie (SFGG) disse que a sociedade poderá tirar vantagens desse envelhecimento da população se todos envelhecermos com melhor saúde. Mas, para isso, devemos eliminar os preconceitos relacionados com a idade, fazendo referência de que em 2050, as pessoas com 60 anos ou mais serão 2 bilhões no mundo. Ele ainda alertou que o combate ao idadismo não se dá por decreto, mas sim por uma construção cultural e por uma convivência intergeracional, que promove a relação entre as gerações para além da dinâmica familiar. Portanto, na visão dele, é necessário a criação de políticas, programas e serviços que apontem para isso. Porém, de acordo com Alexandre Kalache, a diferença do envelhecimento no Brasil em relação a outros países, em especial os europeus, é que lá a sociedade civil reage e existem muitas organizações não governamentais (ONGs) representando os idosos — já aqui no Brasil, são poucos o que falam por eles. Ou seja, não temos ONGs e conselhos de idosos atuando de forma efetiva e eficaz.

Como uma organização que tem como objetivo a democratização ao acesso às tecnologias, sabemos que familiarizar e capacitar idosos à produção e disseminação de conteúdo por meio das novas tecnologias é uma oportunidade de trazer maior autonomia a estes cidadãos, estimulando o convívio digital, garantindo direitos de acesso e democratizando o conhecimento e informações sobre o mundo, com o objetivo de eliminar estereótipos entre as gerações. Não é à toa que o Estatuto do Idoso reconhece que as pessoas com 60 anos ou mais necessitam de acesso às novas tecnologias, de forma que a ausência destas condições pode provocar exclusão ou ainda prejudicar a cidadania desta parcela da população.

De acordo com os dados do Tic 2019, 58% das pessoas com sessenta anos ou mais têm acesso à internet nos smartphones, no entanto, somente 8% usam o computador para acessar a rede. Dos idosos entrevistados, 72% alegam não acessar a internet pela falta de habilidades com os computadores. A pesquisa também apontou que a maioria dos idosos com acesso às novas tecnologias, as utilizam para compartilhar conteúdos, pesquisar preço, mandar mensagens, fazer chamada de voz e vídeos e fazer compras online,mostrando que existe uma relação muito maior como consumidores (passivos) do que produtores (ativos). Portanto, entendemos que é de suma importância pensar em ações que visam aumentar o letramento digital de pessoas idosas, como uma ferramenta para promover um envelhecimento ativo e dar voz a esta parcela da população. Afinal, a nossa população está envelhecendo e, de acordo com projeções do IBGE, um a cada quatro brasileiros terão mais de sessenta anos até 2060.

Projeto Aprenda com Uma Avó

O Aprenda com Uma Avó é um projeto que representa esta necessidade de mudança de olhar, que mostra que o envelhecimento é potente, que é sabedoria e experiência. Através das avós deste projeto e suas oficinas, é possível ver que a não-inclusão da terceira idade é uma perda de conhecimento para a sociedade, já que envelhecimento não é sinônimo de decadência e incapacidade e sim de força. O projeto nos faz ressignificar o que é ser idoso e as avós do projeto, entre suas tentativas de instalar o computador na cozinha ou colocar o wi-fi para funcionar, nos ensinam como pode ser extremamente poderoso alcançar esta idade e estar ativo, quebrando todos os preconceitos ditados pela sociedade e dando ferramentas para dar voz a esta parcela da população.

Roberta Helcias | Gerente de projetos no Olabi.

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